Por Scott Foutley
- Ah, ótimo presente, muito útil!
- Uhuuu Karen, vai amarrar o Kegan no pé da mesa!
- Melhor reforçar com uma real, essas são fraquinhas, quebra fácil!
Era Natal e estávamos todos reunidos na nossa velha casa na Suécia, fazendo uma brincadeira de amigo oculto sacana. Megan havia acabado de dar um par de algemas peludas para Karen e Wayne debochava das algemas, dando a entender que já fez bom uso de um par igual. Papai assistia a tudo calado, rindo discretamente na sua poltrona de sempre, sem participar da brincadeira. As crianças, obviamente, estavam todas brincando no jardim e não estavam presenciando a bagunça. Viemos todos esse ano a pedido dele, até Louise, Remo, Gabriel, Nicholas e Ben, o último depois de muita insistência minha. Era a vez de Wayne entregar o presente dele e pelo sorriso estilo ‘O Grinch’ estampado na cara dele, tinha certeza que eu era seu amigo oculto. E acertei.
- Feliz Natal mano! – Wayne tinha um sorriso largo no rosto, preocupante
- Posso abrir? Não vai explodir? – todo mundo riu
- Pode abrir, não explode. Passei dessa fase já.
Peguei o pacote da mão dele e dei uma sacudida de leve para tentar adivinhar o que era, mas não fez barulho nenhum. Rasguei o embrulho então, para descobrir que o conteúdo estava escondido no meio de vários papeis picados. Coloquei a mão devagar e quando puxei, saiu uma calcinha de renda com um zíper na frente. Nem deu tempo de processar o presente e já estavam todos caindo no sofá de tanto rir. Papai tossiu na cadeira tentando evitar o riso e subiu para o escritório sem falar nada. Ótimo, ele ainda não aceitava isso como afirmava aceitar.
- Obrigado Wayne, não sei se agradeço pelo presente ou pelo fato do papai ter se incomodado com a brincadeira. – falei rindo
- Deixa o papai pra lá, o velho ta ficando ultrapassado.
- O que exatamente eu deveria fazer com ‘isso’? – falei pegando a calcinha com a ponta dos dedos
- Ah, bem, essa parte é com você e com o Ben, não tenho nada com isso!
- Eu não vou usar isso! Pega ai Ben! – joguei a calcinha pra ele e Ben agarrou no ar rindo
- E o que te faz pensar que eu vou usar?? – Ben falou indignado, jogando para Louise – Lou, fica pra você e o Remo aproveitarem!
- E ela terá bom uso, eu garanto! – Louise falou rindo e Remo puxou a calcinha da mão dela, analisando.
- Já volto pessoal, vou ver aonde o velho foi...
Sai da sala para procurar meu pai e eles continuaram fazendo a brincadeira. Da escala podia ouvir Louise entregando o presente dela para Wayne e todos dando gargalhada. Da janela do corredor pude ver as crianças correndo no jardim, numa árdua batalha com bolas de neve. Não demorei a encontrar meu pai. Como havia deduzido, ele estava em seu velho escritório, sentado na mesma poltrona, encarando a mesmíssima janela. Sempre tive medo de entrar nesse escritório, em cada fase da minha vida por um motivo diferente. Quando era criança tinha medo de entrar porque papai sempre guardou todas as suas coisas nele e era uma espécie de santuário sagrado, só ele podia pisar e quem entrasse sem autorização era punido; na adolescência temia entrar nele, pois era sempre aqui que papai recebia as notificações da escola sobre nosso péssimo comportamento; foi nele também que eu estava jogando xadrez de bruxo com Wayne quando recebemos a noticia de que mamãe tinha falecido; e também foi nesse escritório que contei ao meu pai que era gay.
Abri a porta devagar e sem fazer barulho, para descobrir que ele não estava sozinho com de costume. A figura de uma criança sentada no chão perto da janela chamou minha atenção. Era Nicholas. Ele estava sentado de frente para o meu pai com um pote de biscoitos caseiros no colo e eles conversavam concentrados. Pigarreei alto e eles olharam para mim.
- Foi a tia Megan que me deu o pote de biscoito – Nicholas falou depressa – Ela disse que eu podia comer
- Tudo bem, Nicholas. Hoje é Natal, acho que não faz mal se você comer alguns biscoitos a mais – disse rindo e ele sorriu, tornando a abrir o pote – Por que você não vai brincar com os seus primos lá embaixo? Eles estão brincando de guerra de bolas de neve.
- Oba! Vou brincar com eles! – ele levantou do chão e passou correndo por mim animado
- Não corre na escada! – me vi berrando quando ele passou feito um foguete pela porta do escritório – Ele não estava lhe perturbando, não é?
- Não, nem um pouco – papai respondeu encostando-se à poltrona outra vez – ele é um ótimo menino. Muito inteligente, sabia disso?
- Sim, já percebi isso. Por que saiu da sala de repente? – perguntei direto
- Já estava cansado e vocês não precisavam de mim lá, já estavam se divertindo sozinhos.
- Ora papai, sabe que o que está dizendo não é verdade. – disse sentando na cadeira ao lado dele – Desde que chegamos e o senhor viu que o Ben veio, está com essa cara que não esboça reação alguma!
- Não diga bobagens Scott! Não sabe o que está dizendo...
- Sei sim papai. Conheço o senhor, sei que apesar de dizer que está tudo bem, a verdade é outra. Por que não admite logo que ainda não aceitou o fato de que sou gay?
Papai ficou mudo e desviou o olhar de mim, passando a encarar a neve que caia pelo vidro da janela. Eu sabia o quanto isso incomodava ele, por mais que ele negasse. Sabia que desde o dia em que lhe contei isso, há mais de 15 anos atrás, ele tentava de toda maneira aceitar, conviver com isso e ao mesmo tempo entender. Ele continuou encarando a neve por alguns segundos que pareceram uma eternidade e então voltou à atenção para mim.
- Quero que você entenda uma coisa, pois parece que você ainda não compreendeu: eu não me importo com o que você é ou deixa de ser. Você é meu filho, sempre vai ser, e isso é o que importa. Suas escolhas na vida não precisam da minha aprovação, nunca precisaram. Você sempre foi independente, sempre deixou claro que não precisava de ajuda para nada.
- Não é bem assim, pai. Não é porque eu não preciso da sua autorização para nada que eu não queira sua aprovação. Pra mim é importante que você aceite.
- Filho, eu não tenho nada contra o Ben, acredite. Sei que no começo foi difícil aceitar, sei que nos desentendemos e sei que ele não gosta muito de mim, mas isso é passado. Só o que me importa é que você esteja feliz. Você está feliz com ele?
- Sim, muito.
- Então o resto não importa.
- O Ben não tem nada contra o senhor, ele só acha que você o odeia.
- Bobagem. Vou conversar com ele depois, não quero que ele vá embora achando que não é bem vindo à minha casa. Quero que você passe a me visitar mais e não apenas 2 vezes ao ano. Sinto sua falta por aqui, Scott.
- Prometo vir mais vezes. Sabe, nunca achei que fosse dizer isso, mas foi bom voltar. Não sabia o quanto sentia falta dessa velha casa.
- Então fiquem mais alguns dias, para o Ano Novo!
- Também não força a barra, papai!
Papai sorriu como há muito tempo não o via sorrir e levantou da poltrona, me abraçando. Acho que de alguma maneira, ele sentiu que tirou um peso das costas ao me dizer que me aceitava do jeito que eu era. Senti que ele há muito tempo queria me dizer isso, mas não encontrava a melhor maneira. E de alguma forma, eu me sentia mais aliviado também. Agora sabia que podia voltar sempre que quisesse e sempre encontraria tudo como sempre foi.
Sunday, January 07, 2007
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