Tuesday, December 05, 2006

Era melhor ter alugado um filme – Parte II

Por Scott Foutley

Estacionei o carro perto da Central do Brasil e fui caminhando com Ben e Nicholas pelas ruas, àquela altura todas já fechadas para o transito, indo ao encontro de Louise e Remo. Flávio já tinha se separado deles e devia estar perdido no meio do mar de componentes que concentravam momentos antes do inicio do ensaio. Esse ritual já havia virado rotina desde que começaram a ter esses ensaios por aqui, dois meses antes do carnaval de fato. Sempre íamos para a casa dele ou ele ia para a nossa e saímos os quatro juntos para vir assistir, beber a noite toda, rir dos desengonçados que não sabiam nem rebolar muito menos sambar, criticar tudo, brincar e ir embora pra casa. Hoje não seria diferente.

Louise já estava engatada num animado papo com o ambulante que sempre paramos para beber enquanto Remo olhava a movimentação, ainda receoso. Ben enfiou um imenso saco de pipoca na mão de Nicholas, cada um pegou uma cerveja e subimos para a arquibancada do Setor 5, pois a bateria já aquecia e estavam prestes a abrir o portão e dar inicio ao ensaio.

- Olha lá o Flavinho! FLAVIOOOO! – Louise deu um grito acenando para o Flavio, que passava distraído na avenida e se assustou, acenando e rindo de volta
- Louise, fala baixo, ta todo mundo olhando! – Remo a puxou pra sentar perto dele sem graça
- Relaxa Remo, isso aqui é Brasil, as pessoas falam alto! – Scott falou já animado, chamando um ambulante pra comprar outra cerveja – principalmente aqui, na Marques de Sapucaí. Se falar baixo, não é ouvido!
- Dá um desconto pro cara, gente! Ele não ta entendendo nada que se passa aqui – Ben falou rindo

Ele tinha razão. Aquela agitação toda era novidade para Remo, que além de não saber exatamente o que estava acontecendo na passarela, nem falava português! Louise andava ensinando algumas coisas e no próprio trabalho no Ministério ele aprendia, mas ainda não era nada que pudesse lhe salvar a vida numa situação de emergência. Nicholas então, só havia aprendido a falar bobagem que eu tinha ensinado, apesar dos protestos do Ben. Ele estava sentado quieto na arquibancada, atracado ao saco de pipoca, olhando tudo em volta curioso e fascinado. Agora ele prestava atenção em Louise, que tentava resumir para Remo o que exatamente eram esses ensaios e o que eles significavam. Pela cara de ambos, estavam entendendo e se interessando.

A escola já estava na metade do ensaio quando algumas pessoas resolveram descer do alto da arquibancada e se espremer na grade, onde estávamos posicionados. Minha reação imediata foi puxar Nicholas pra perto, vendo que Ben ainda não tinha voltado do banheiro. Remo logo segurou o braço de Louise, mas ela o puxou para onde estávamos empurrando as pessoas e não se importando com quem estivesse na frente. Estiquei o pescoço para tentar localizar Ben, mas não havia sinal dele. Droga!

- Será que dá pra senhora parar de empurrar? Tem uma criança aqui! – Louise falou irritada pra senhora que estava causando o tumulto
- Não vou sair daqui e quero ver quem vai me tirar! – a mulher respondeu presunçosa

Louise cruzou os braços e podia sentir que ela estava fazendo um esforço imenso para não virar a mão na cara da mulher. Remo também sentiu isso, pois segurou sua mão firme, não tirando os olhos dela. A mulher arrogante continuou empurrando as pessoas para tentar se aproximar mais e senti uma pancada nas costas que me lançou pra frente, imprensando Nicholas na grade. Uma outra mulher, esta uma senhora, chegou revoltada por estar sendo esmagada e veio rebocando todo mundo que estava no caminho, até chegar à causadora da confusão e dar-lhe uma bofetada. Sobrou braçada até pra Louise!

- PAPAI, PAPAI! – Nicholas gritava desesperado, sendo quase carregado pela confusão.

Inspirado pela tia, sai rebocando as pessoas no meu caminho e agarrei o braço dele, jogando-o no meu ombro e subindo os degraus gritando para que Louise e Remo me ouvissem e saíssem no meio da confusão. Eles conseguiram sair do meio da embolação alguns minutos depois e nos dirigimos à saída da arquibancada, bufando.

- Chega, vamos embora! – Louise bufava
- Cadê o meu pai? – Nicholas falava quase chorando, assustado.
- Não sei, mas vamos achar ele e ir embora daqui. – falei tentando acalmá-lo
- Melhor sairmos daqui, estou vendo alguns seguranças irritados subirem as escadas – Remo sugeriu e descemos depressa, antes que eles alcançassem a confusão

Quando já estávamos do lado de fora do Setor 5, deixei Nicholas com Louise e Remo e voltei para procurar Ben. Não demorei a encontrá-lo, desesperado nos procurando no meio da confusão que agora dominava metade da arquibancada. Descemos ao encontro dos outros, já cansados da noite, nada estava dando certo. Nicholas correu para abraçá-lo quando descemos, ainda assustado, e caminhamos devagar de volta ao carro.

Todos agora voltariam comigo já que Flávio ainda estava ocupado fotografando a escola e nos apertamos todos dentro do meu carro. Não havíamos nem chegado à Central do Brasil quando ele começou a engasgar, perder velocidade, até parar por completo. Dei um soco no volante irritado. E agora? O que mais falta acontecer??

- Por favor, diga que você desligou o carro porque esqueceu alguma coisa no sambódromo... – Louise falou baixo
- O que houve? – Ben arriscou
- Bom não sei, deixei minhas cartas de tarô e os búzios em casa. – respondi estressado – tenho cara de mecânico??
- Brigando não vamos resolver o problema, não comecem! – Remo falou também começando a se estressar
- Foi aquele careca gordo! – falei socando o volante outra vez e abrindo a porta puto – tenho certeza que a batida dele danificou meu carro!
- Ah Cott, não começa com o drama! – Ben falou saindo do carro também – nem ta arranhado direito! E não adianta me olhar com essa cara de revolta!
- Parem os dois, ou vou ser obrigada a bater em vocês! – Louise também saiu do carro, sentando na calçada.
- Ok, ok, vou ligar pro seguro e ver se eles mandam algum inútil aqui pra nos rebocar.

Catei o telefone dentro do carro e fiquei andando de um lado para o outro, discutindo com a anta que me atendeu, tentando explicar o que tinha acontecido. Ben tirou Nicholas do carro e ele sentou no colo de Louise na calçada, cansado. Depois ele e Remo começaram a fuçar o motor do carro, como se estivessem entendendo alguma coisa, mas a verdade era que queriam se manter ocupados. Tanto é que só ficaram olhando cada canto dele, sem tocar em nada. Depois de gritar com 3 pessoas diferentes, eles mandaram um mecânico de moto para olhar o carro, mas o homem tava com mais medo de ficar ali tarde da noite do que outra coisa, e não resolveu o problema, dizendo que ia pedir para um reboque ir até lá.

Já havia desistido de me estressar e sentei na calçada ao lado de Louise e Nicholas, e ficamos os três observando e rindo dos dois fingindo que estavam procurando o problema que nem o mecânico encontrou. Hora ou outra eles soltavam algo como ‘deve ser problema no carburador’. Começava a desconfiar que fosse a única parte do motor que eles sabiam o nome. Estávamos esperando o tal reboque há mais de uma hora quando escuto alguém gritando no meio da rua, cantando um samba desafinado e mandando beijos para a rua vazia. Flavio vinha pendurado no carrinho de um ambulante, como se estivesse em cima de uma alegoria, mandando o senhor empurrar ele mais rápido. Ele estava completamente embriagado e acenava para as ‘pessoas na platéia’, como se realmente estivesse no desfile. O senhor parou o carrinho do lado do carro e ele desceu, agradecendo a carona e pagando as cervejas que estava tomando.

- O que houve crianças? Vão esperar o ensaio de amanha aqui?
- O carro enguiçou, mas não pergunta o problema, porque não fazemos idéia – respondi logo
- Não ia perguntar, sabe que não entendo patavina de carros – respondeu procurando algo nos bolsos – Eu dou carona pra vocês, meu carro está aqui perto. Mas alguém vai ter que ir dirigindo, não estou em condições
- Bom, eu não vou abandonar meu carro aqui, mas vocês devem ir com ele. Vou ficar e esperar o reboque.
- Não, não vou largar você aqui sozinho essa hora, esperamos também. – Ben falou
- O Nicholas já ta desmaiando de tão cansado, vai com ele pra casa, eu fico. Você quer ir embora, não quer? – perguntei a Nicholas do meu lado
- Quero sim tio Scott... – disse sonolento – mas me diverti! Podemos vir de novo semana que vem?
- Vou pensar no seu caso... – Ben respondeu por mim puxando ele da calçada e tomando as chaves da mão de Flávio – eu dirijo.
- Vai com eles também Remo, eu vou ficar aqui com o Scott. – Louise falou levantando da calçada
- O que? E deixar você aqui essa hora? Nem pensar, eu fico também.
- Eu sei que você já ta cansado dessa agitação toda, pode ir, não tem problema. E também, quero conversar com ele. Não se preocupe, qualquer coisa desaparatamos na hora!
- Tem certeza?

Louise beijou Remo e ele se juntou ao outros, indo embora atrás de Flávio para o carro. Quando eles já estavam do outro lado da rua ela sentou ao meu lado de novo, encostando a cabeça no meu ombro, cansada. Encostei minha cabeça na dela e ficamos sem falar nada por um tempo. Depois de alguns minutos eu quebrei o silêncio.

- Você está feliz, não está?
- Como há muito tempo não me sentia – ela respondeu ainda de olhos fechados, mas sorrindo – Você também está, não é?
- Demais. – fiz uma pausa antes de terminar de falar – acha que nossas vidas se acertam dessa vez?
- Hmmm – ela fez uma cara pensativa de brincadeira – meu dom intuitivo nunca foi bom e já falhou algumas vezes, mas tenho a sensação de que dessa vez vamos sossegar...
- É, também tenho essa sensação. Endora ficaria orgulhosa se dessa vez acertarmos. – falei rindo - Que Merlin a tenha.
- E vê se você para de brigar com o Ben por qualquer coisa! – falou me beliscando
- O que? Quando eu briguei com ele? Ta doida? – respondi alisando onde ela beliscou
- Hoje, ora! Você foi muito estúpido, ele só perguntou qual era o problema do carro!
- Ah, eu estava nervoso...
- Eu sei, mas não é desculpa. – disse me encarando séria – vocês acabaram de voltar, por favor, não complica as coisas de novo!
- OK, eu sei que fui estúpido, vou me desculpar quando chegar em casa
- Bom, muito bom. Porque eu não iria agüentar você solteiro de novo, com saudades dele... – disse rindo
- Haha, muito engraçada... Você também não estava muito agradável depois que voltou de Paris e teve um ‘momento flashback’ com ele.
- Nós estávamos insuportáveis, não é mesmo? – disse encostando a cabeça no meu ombro outra vez
- Muito. Até hoje não entendo como o Flávio sobreviveu aos meses de fossa, pensei que ele iria pedir divorcio da gente
- Mas já acabou, graças a Merlin!
- Sim, chega dessas emoções fortes, cansei delas. – disse beijando sua testa e tornado a encostar minha cabeça da dela – agora quero paz.
- E da próxima vez que discordarmos sobre o destino do sábado à noite, vamos alugar um filme e ficar em casa comendo pipoca, ok?
- Com certeza!

Ficamos calados de novo, de olhos fechados, apenas esperando o reboque chegar. Ainda dava para ouvir a 2ª escola começando seu ensaio, o barulho um pouco mais baixo por causa da distancia, mas ainda assim forte. O funcionário da seguradora chegou em menos de meia hora e depois de amarrar meu carro no alto do reboque, fomos embora para casa. Para uma noite só, já tivemos aventuras demais!

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