Thursday, October 22, 2009

Agosto/Setembro de 1979

- Como estou?
- Igual a um pingüim.

George fez uma careta na frente do espelho e ajeitou a gravata mais uma vez, saindo para me dar espaço para terminar de me arrumar. Era o dia do casamento de Julian e Chelsea e seriamos padrinhos, George junto com Susan e eu junto com Brendan. Ninguém acreditou que esse um dia chegaria, mas foi George que ganhou o bolão que fizemos, com a aposta de que Julian casaria antes dos 30. Eu apostei que nunca e Brendan que seria em outra encarnação. A cerimônia seria na igreja Saint Bartholomew-the-Great, uma das mais antigas de Londres.

- Estão todos prontos? – vovó entrou no quarto já arrumada e linda – Louise, ainda está sem sapatos? Já estão todos esperando, até Susan está pronta! O carro vai sair em 10 minutos, se apresse.

Expulsei George do quarto para que conseguisse terminar de me arrumar e em menos de cinco minutos já estava na sala, ao lado da família toda pronta esperando para sair junta. Chegamos à igreja alguns minutos depois e Susan e Brendan já estavam lá com meus tios, mas a primeira pessoa que vi quando desci do carro foi Julian. Ele estava muito bonito de terno e parecia extremamente nervoso. Sorria para as pessoas de um modo um pouco assustador, mas à medida que íamos conversando com ele e falando bobagens ele foi relaxando, e na hora que a cerimônia começou ele era o noivo mais empolgado que já existiu. Era inacreditável que aquele dia finalmente tivesse chegado. O primeiro primo estava casado, agora restavam quatro.

ººººº

O casamento de Julian e Chelsea em Agosto havia sido o evento do ano para a família. Parentes que não via há anos estavam presentes na cerimônia e a festa foi simplesmente divina. Até Remo, que assistiu a cerimônia ao lado do meu avô materno, se divertiu como nunca. Dançamos até fazer bolha nos pés e eu e Susan bebemos além da conta, mas ninguém passou mal e todos sobreviveram à noite sem incidentes. Brendan aproveitou a ocasião para apresentar sua nova namorada, Penélope, e ele jurava que ela era diferente das outras e não estava começando o namoro com um prazo de validade.

Mas entre o casamento de Julian e as visitas constantes a Scott na Suécia, o mês de Agosto passou como um raio e logo me vi parada em frente à fachada da loja de departamentos Purga & Sonda LTDA, às 7 horas da manhã do dia 1º de Setembro, dividida entra entrar e respirar. Era o primeiro dia da minha residência.

- Não sabe como entrar? – ouvi a voz conhecida de Sam e virei para o lado. Abri um enorme sorriso ao me lembrar que não estava sozinha.
- Sei, mas estava tentando me lembrar como se respira antes – falei um pouco nervosa e Sam riu.
- Eu vim assoprando dentro de um saco de papel no ônibus. Achei melhor vir de ônibus, assim teria mais tempo para me acalmar do que se aparatasse – ela explicou quando me espantei ao ouvir a palavra “ônibus”.
- Bom, nós nos matamos de estudar para estarmos aqui, não vamos nos limitar a calçada – dei um passo a frente e ela me acompanhou – Vamos entrar.
- Estamos aqui para começar o nosso estágio – Sam se aproximou mais e falou com o manequim que ficava dentro da vitrine velha e empoeirada.

A manequim moveu a cabeça de leve e em seguida Sam e eu havíamos atravessado o vidro, sem que nenhum trouxa pudesse notar que duas pessoas tinham acabado de desaparecer do nada. Ao chegarmos do outro lado não havia mais sinal da manequim, apenas uma recepção muito tumultuada. Haviam fileiras de bruxos e bruxas sentados em cadeiras de madeira aguardando para serem atendidos, cada um com o mais esquisito tipo de doença ou reação a feitiços, como uma bruxa com o rosto suado no centro da fileira da frente que estava abanando a si mesma vigorosamente com uma cópia do Profeta Diário, enquanto um assobio com um vapor preto saia torrencialmente pela sua boca; um outro bruxo aparentando estar sujo, no canto, ressoava como um sino a cada vez que se movia e com cada som sua cabeça vibrava horrivelmente, tanto que ele teve de agarrar a si mesmo pelas orelhas e segurá-la fixamente.

Bruxos e bruxas em jalecos verde-claro andavam para cima e para baixo nas fileiras, fazendo perguntas e fazendo anotações em pranchetas, e todos tinham o mesmo emblema bordado em seus peitos: uma varinha e um osso cruzados. Ficamos paradas no meio daquele caos, observando os curandeiros trabalhando, e levamos uma série de trombadas de pessoas que passavam apressadas pela recepção. Era tanta gente correndo de um lado para o outro que estava ficando tonta só de olhar. Ficamos um bom tempo paradas no mesmo lugar, até que uma voz enérgica nos tirou do transe e voltamos à realidade. Uma mulher de estatura mediana, cabelos curtos e ruivos e grossos óculos redondos estava parada na nossa frente, com uma prancheta na mão.

- Novas internas? – assentimos com a cabeça e ela indicou o balcão com a mão livre – Por aqui.

Caminhamos desviando das pessoas para não perdê-la de vista e paramos onde ela mandou, ao lado de mais quatro pessoas com as mesmas expressões assustadas que as nossas, e logo deduzimos que eram os outros internos. Entre elas estava Mirian, que parecia muitíssimo aliviada em nos ver e logo correu para o nosso lado. A mulher gritou alguma coisa com o homem que cuidava da recepção e ele saiu apressado, e então ficou de frente para o nosso grupo. Do meu ponto de vista, naquele momento ela era um leão diante de 6 cordeiros assustados, esperando o momento do ataque.

- Meu nome é Dra. Weaver, sou a chefe da emergência do St. Mungus e vou fazer um tour rápido pelo hospital com vocês, tentem me acompanhar e guardem as perguntas para o Curandeiro que ficara responsável pelas suas avaliações – ela saiu andando depressa e corremos para acompanha-la – Aqui no térreo cuidamos dos acidentes com artefatos mágicos, tais como explosões de caldeirões, problemas com varinhas e quedas de vassoura. No 1º andar cuidamos dos ferimentos provocados por criaturas, como mordidas, envenenamento, queimaduras, espinhos encravados – a cada novo andar, ela corria escada acima com uma agilidade chocante e corríamos atrás dela para não perder nada – Aqui no 2º andar ficam concentrados os casos de acidentes mágicos, que incluem doenças contagiosas, catapora de dragão, doença do desaparecimento, furúnculus, entre outros. No 3º andar vocês irão cuidar de casos de envenenamento por poções ou plantas, onde são tratadas erupções na pele e regurgitações. No 4º andar ficam os danos causados por magia, que incluem azarações problemáticas, maldições, aplicação incorreta de feitiços, são os nossos pacientes que ficam internados por muito tempo, às vezes por anos – ela subiu um último lance de escada sem sequer apresentar cansaço, embora eu e todos os outros cinco estivéssemos suando – E aqui no 5º andar fica o Salão de chá para os visitantes e a lojinha do hospital. Se forem pegos aqui fora do horário de descanso, perdem suas vagas. Voltem para a recepção, os Curandeiros que os guiaram a partir de agora os encontrarão lá.

A mulher desapareceu escada abaixo e ficamos nos encarando por alguns segundos, tentando recuperar o fôlego, até que um dos garotos saiu na frente a seguindo pela escada e fizemos o mesmo. Não tinha ninguém na recepção quando chegamos, além do homem que trabalhava lá, e notei uma placa bem no alto da parede, com toda a descrição que ela havia acabado de nos dar do hospital. No final da tabela, tinha um aviso: "Se você não tem certeza aonde ir, não consegue conversar normalmente ou não se lembra de porque está aqui, nossa recepção vai ter o prazer de ajudá-lo”.

- Acho que vamos vir muito aqui na recepção – Sam comentou também lendo o quadro e rimos.
- Ah, novos internos! – ouvimos a voz de um homem bastante empolgado e viramos todos ao mesmo tempo – Eu sou o Dr. Benton e esse é a Dra. Lockhart, seremos seus supervisores durante o estágio de residência.
- Storm, Wood e Capter, vocês ficam comigo hoje – a Dra. Lockhart leu nossos nomes na ficha e sorriu gentil – Carter, McCrane e Taggart, com o Dr. Benton. No fim do dia vamos ver quem atendeu mais pacientes e aprendeu mais sobre a profissão, homens ou mulheres.
- Bem vindos à residência – o Dr. Benton nos atirou nossos jalecos verde-claro com o emblema do St. Mungus – O sonho começa agora.

Entreolhamos-nos empolgados e ansiosos enquanto vestíamos os jalecos e saímos atrás dos nossos supervisores do dia para começar as rondas e os observar atender os pacientes, antes de começarmos a nós mesmos fazer isso. Vestindo aquele jaleco com a varinha e o osso cruzados e com meu nome logo embaixo, percebi que nunca tive tanta certeza do que queria ser na vida como tinha naquele momento. Dr. Benton tinha razão, o sonho estava começando.

Wednesday, October 21, 2009

“Quando somos crianças, somos um pouco de cada coisa. Artista, cientista, atleta, astronauta. Às vezes parece que crescer é desistir destas coisas, uma a uma. Todos nós nos arrependemos por coisas das quais desistimos, algo de que sentimos falta, de que desistimos por sermos muito preguiçosos, por não conseguirmos nos sobressair ou por termos medo. Mas às vezes, quando menos esperamos, as coisas das quais desistimos no passado nos dão uma segunda chance e tudo que temos que fazer é agarrá-la e não deixar escapar outra vez. Passei sete anos em Hogwarts tentando descobrir quem eu era e o que deveria ser, mas na verdade tudo que eu precisava era somente duas semanas na companhia da minha avó para perceber que desde que eu era criança, já tinha a resposta para essa pergunta.”

Agosto/Setembro de 1979

- O senhor não deve ultrapassar esse perímetro – o auror estendeu os braços, indicando a área demarcada por uma linha quase invisível – Se o fizer, nós saberemos.
- E se eu acidentalmente esbarrar na linha? Quase não é possível enxergá-la, posso andar pelo quintal e passar da área sem saber.
- Um alarme irá disparar assim que tocá-la e terá 15 segundos para retornar para dentro do perímetro. Se o alarme não parar dentro de 15 segundos, uma equipe de aurores irá aparatar aqui e levá-lo sob custodia. Entendido, Sr. Foutley?
- Sim, entendido.
- Nosso trabalho aqui está terminado – o homem se virou para meu pai e lhe estendeu a mão – Ministro, desculpe qualquer inconveniente, mas é o nosso trabalho.
- Não precisa se desculpar, eu entendo perfeitamente.

Papai apertou a mão dos aurores presentes e eles desaparatam em seguida, nos deixando sozinhos. Eu e meu pai, sozinhos. Era uma imagem que iria se repetir durante os três meses que fora condenado à prisão domiciliar por usar maldiçoes imperdoáveis por duas vezes e atacar um auror no enterro de minha mãe. Ele revisou as ordens do juiz comigo mais uma vez e se despediu, desaparatando também para o trabalho e me deixando sozinho naquela casa imensa. Seriam três longos meses...

ººººº

O começo dos meses que prometiam serem meus três meses de inferno astral não foi tão ruim quanto eu pensava. Megan, Wayne e Karen ainda tinham algumas semanas antes de voltarem para Londres e me abandonarem na Suécia e meus amigos, ainda livres antes que seus estágios e novos estudos começassem, estavam sempre presentes na casa. A mansão nunca esteve tão barulhenta, nem mesmo quando reuníamos a família para ocasiões especiais. Mas a bagunça diária só durou até dia 31 de Agosto e depois todos voltaram para suas casas e vidas, e eu novamente me vi sozinho em uma casa muito grande. Claro que não estava 100% sozinho, tinham os empregados que circulavam de um lado pro outro o dia inteiro e apesar de Karen estar presa em Hogwarts e Wayne e Megan atolados na Academia de Aurores, Louise, Yulli, Alex, Sam, Mark, Lu e Ben, que agora havia se tornado meu namorado, faziam esforços para virem sempre nos finais de semana, de modo que minhas horas de tédio ocorriam somente de segunda a quinta.

Já havia tentado de tudo para passar o tempo mais rápido, mas nada parecia funcionar. Toda tarde ia para o jardim e brincava de atirar pedrinhas na linha que marcava meu limite no meu próprio quintal, mas ela nunca disparava. Talvez estivesse enfeitiçada para somente disparar se entrasse em contato com a minha pele, mas três meses desse castigo já eram o suficiente para que eu fosse lá me arriscar para tirar a prova. Quando não estava no quintal olhando fixamente a linha de restrição, estava trancado no quarto tentando me manter distraído. Não havia uma única gaveta na casa que ainda não tivesse sido aberta, um único quadro torto ou tapetes com dobras. Inconscientemente, estava me transformando na minha avó paterna.

À medida que o mês de Setembro chegava à sua metade, casa já estava cheia de casinhas de comida pra passarinho e origamis e já sabia até os detalhes mais sórdidos da vida de todos os empregados. Havia acabado de receber uma coruja de Karen dizendo que viria passar o final de semana comigo quando alguém bateu na porta. Corri para atender e me surpreendi ao dar de cara com minha avó Margareth, carregando uma mala na mão. Ela largou a mala no chão quando me viu e abriu os braços, para onde eu imediatamente me joguei e a envolvi em um abraço apertado.

- Vovó Maggie, o que está fazendo aqui? – perguntei surpreso, ainda abraçado a ela.
- Seu pai disse que estava passando tempo demais sozinho, então vim passar uns dias com o meu neto. Aceita minha companhia?
- Vovó, eu aceitaria até a companhia do Wayne, e eu não gosto dele. Eu amo a senhora, então não precisa nem perguntar!

Vovó riu e beijou minha testa, entrando na casa. Peguei sua mala depressa e num instante a acomodei no quarto de hospedes, puxando-a de volta para a sala para conversarmos. Adorava conversar com a minha avó, ela não era uma avó tradicional, era descolada. Claro que ela também era conservadora em algumas coisas, mas não deixava de se manter atualizada sobre todos os assuntos. Com ela aqui, podia passar o dia inteiro no sofá apenas falando, que sabia que o tempo ia correr. Os dias de tédio haviam finalmente chegado ao fim.

ººººº

- Scotty, querido, veja se o bolo já está pronto.
- Opa, é pra já, vovó!

Desci do balcão onde estava sentado e fui conferir o bolo que estávamos preparando. O cheiro que se espalhou pela cozinha quando abri a porta do forno e nem teria sido necessário espetar ele pra ter certeza que estava perfeito. Tirei a forma e coloquei em cima da mesa, quase embriagado pelo cheiro maravilhoso de chocolate.

- Pelo cheiro, está pronto – vovó riu da minha cara admirando o bolo e pegou vários apetrechos da gaveta – Vamos confeitar?

Lavei as mãos na pia e voltei pra junto dela, ajudando a confeitar o bolo pro aniversário do meu pai. Também havíamos preparado todo o jantar, já que à noite íamos receber meu avô Jeffrey e meus avôs paternos Harold e Martha, além de Karen, Wayne e Megan. Desde que vovó havia chegado para me salvar do tédio, passávamos a maior parte do dia na cozinha. Vovó amava cozinhar, era sua maior paixão, e eu estava descobrindo que também sabia pilotar o fogão com muita habilidade. Lembro que quando era pequeno e passava férias na casa dela sempre a ajudava com coisas simples na cozinha, mas Wayne dizia que aquilo era coisa de menina e ia contar pra todo mundo que eu usava avental, então passei a sempre inventar uma desculpa quando vovó me pedia ajuda, até que ela um dia desistiu. Mas agora que já não me importava mais com a implicância de Wayne ela estava empenhada em me ensinar suas receitas mais complexas, aquelas que ninguém além dela sabia fazer, cheias de mistérios e ingredientes secretos. E eu estava adorando.

O cardápio do jantar era composto por dois tipos de saladas e quiche para a entrada, vitela ao molho branco e Bouillabaisse como pratos principais e crepes flambados para sobremesa, além, é claro, do bolo de chocolate, o favorito do papai. Para beber, nada além de vinho e água. Se íamos ter um jantar com culinária francesa, não poderíamos deixar de beber vinho. Terminamos de decorar o bolo depois de meia hora e deixamos tudo pronto na cozinha, voltando para a sala. Atirei-me no sofá, cansado, e vovó sentou na poltrona, me olhando e sorrindo.

- O que foi, vovó? Estou sujo de glacê? – passei a mão no rosto e ela riu.
- Não, estou apenas aqui pensando que talvez meu neto seja um chef nato e não saiba.
- Eu? Chef nato? – agora quem ria era eu – Como um chef vai flambar alguma coisa com medo daquele fogaréu?
- Com o tempo você pega a pratica nisso. Você tem muito talento, sabia? Eu não fiz praticamente nada aqui hoje, apenas o guiei e você fez tudo sozinho.
- Sabe que eu até gosto de cozinhar? – admiti – Tenho me divertido muito esses dias com a senhora, descobrindo todos os seus truques na cozinha. Sabe vovó, já viajei muito com meu pai, fui a muitos países e conheci milhares de restaurantes renomados, mas nenhum deles tinha uma comida tão boa quanto a sua. Por que nunca abriu um restaurante?
- Ah, esse sempre foi meu maior sonho, mas imagine uma mulher em 1932 como chef de um restaurante? Consegue imaginar isso? – sacudi a cabeça negando e ela riu – Era impossível na época e meu pai teria enfartado se isso acontecesse. Minha paixão pela cozinha começou por causa dele, ele era dono de um restaurante muito concorrido, eu cresci na cozinha daquele lugar. Lembro como se fosse ontem do chef que condizia o restaurante, Chef Angus. Era um francês mal humorado, mas que me ensinou tudo que sei sobre hoje. Ele me dava aulas escondido do meu pai, começou quando eu tinha 13 anos e implorei para trabalhar com ele na cozinha. Ele sabia que meu pai nunca ia permitir e o demitiria se soubesse das aulas, mas ele disse que minha vontade de aprender era tão grande que ele não poderia negar.
- Meu bisavô nunca descobriu que você tinha aula de culinária na cozinha do restaurante dele?
- Não, nunca. E se descobriu, guardou para ele, porque Angus nunca foi demitido, só deixou o restaurante quando se aposentou. Meu pai deixava o restaurante sob o comando de Angus e minha mãe e ia para o seu segundo trabalho, então eu aproveitava e grudava nele, para aprender tudo. Isso durou dos meus 13 anos até os 18, quando fui para a faculdade estudar Psicologia. Sabia muito mais de culinária do que da mente das pessoas, mas nunca cheguei a trabalhar com isso. Toda minha experiência foi posta em prática apenas nos jantares de família.
- Ah vovó, que desperdício de talento, não é justo!
- Então para evitarmos outro desperdício de talento, por que você não abre um restaurante? – me espantei com a sua pergunta – Talento você tem de sobra.
- Até que seria legal ter um restaurante – me peguei aceitando a idéia – Usar aquele chapéu engraçado e tudo mais.
- Espere um instante, já volto.

Vovó levantou da poltrona e foi até a cozinha, voltando logo em seguida com um caderno na mão. Logo reconheci como sendo seu lendário caderno de receitas, pela aparência antiga e grossura. Era um caderno que ela anotava todas as receitas que tinha aprendido desde que começou a cozinhar e também tinham muitas criadas por ela própria. O caderno era tão velho que algumas páginas já estavam rasgando, era uma verdadeira relíquia. Ela parou ao meu lado e depois de alisar sua capa poída uma última vez, o estendeu pra mim.

- Quero que fique com isso.
- O que? – me espantei, pegando o caderno com certo receio – Não vovó. Não posso ficar com o seu caderno.
- Claro que pode. Não preciso mais, já seu todas as receitas sem precisar consultá-lo, mas você pode fazer bom uso dele caso um dia decida abrir seu restaurante.
- Mas... Você adora esse caderno.
- Sim, mas vou adorar ainda mais vê-lo sendo útil para algo mais que jantares de família – eu ainda estava relutante, então ela sentou ao meu lado no sofá – Vamos fazer uma troca então. Você fica com o caderno e me faz um favor, pode ser?
- O que você quiser, vovó.
- Ter meu próprio restaurante era meu maior sonho, mas também sonhava em escrever um livro de culinária – ela falou sonhadora – Prometa pra mim que um dia, não importa se daqui a 5, 15 ou 50 anos, irá escrever um livro compartilhando as receitas criadas nesse caderno. Se prometer realizar esse meu desejo, pode ficar com o caderno.
- Pode considerar seu desejo realizado, vovó – olhei para o livro em minhas mãos e sorri – Quando eu for um chef famoso e tiver meu próprio restaurante, vou escrever um livro sobre a mulher que me ensinou a cozinhar e suas receitas magníficas.
- Tenho certeza que sim, Chef Scott – ela sorriu e me abraçou, levantando em seguida – Agora melhor tomarmos banho, os convidados começarão a chegar dentro de uma hora.

Levantei do sofá também e subimos para os quartos. Carregava o livro nas mãos como se fosse um tesouro, e na verdade ele era, então o guardei com muito cuidado dentro da minha gaveta de roupas antes de tomar banho e descer já arrumado para esperar o resto da família para o jantar. Papai ficou muito feliz com a bagunça que fizemos e todos ficaram um pouco chocados ao descobrirem que o jantar tinha sido feito por mim, mas ignorei as provocações de Wayne e me diverti com a minha família como nunca pensei que poderia me divertir, sem a presença da minha mãe. A noite acabou sendo a mais agradável dos últimos anos, agora que meu futuro não me preocupava tanto. Eu finalmente tinha um plano.