Friday, December 19, 2008

Piazza Navona, Roma, 17 de Julho de 1979


- Consegui alguns mapas – atirei vários papéis dobrados em cima da mesa e Louise se assustou – Não quero chegar à Suíça e ter que dormir na estação de novo.
- Nós não vamos dormir na rua de novo – Lou falou despreocupada, abrindo um dos mapas – Agora que já sabemos que os albergues têm toque de recolher, podemos nos programar. Seu café vai esfriar, bebe logo para tentarmos comprar as passagens ainda hoje.

Sentei outra vez na mesa e puxei a xícara para perto de mim, terminando de beber. Estávamos viajando há quase duas semanas e já tínhamos passado pela Alemanha e Bélgica antes de chegar à Itália. Louise ainda lia os mapas com atenção e fiquei observando o movimento das pessoas pela praça, quando vi um ponto pardo voando na minha direção, se aproximando cada vez mais. Fitei o ponto com interesse e me espantei ao constatar que se tratava de uma coruja. E o espanto foi maior quando reconheci aquela coruja parda como sendo a coruja da Megan. Estiquei o braço para deixá-la pousar e desamarrei a carta de sua pata enquanto ela beliscava o biscoito largado em cima da mesa.

- Essa não é a coruja da Megan? – Louise perguntou espantada e confirmei com a cabeça, receoso.

Megan dificilmente me mandaria uma coruja sabendo que estava de férias pela Europa sem um destino certo. E o fato de ter enviado Freya atrás de mim, sem saber aonde eu poderia estar, não era bom sinal. Abri a carta já com as mãos levemente tremulas, temendo ler aquilo que estou esperando desde as férias da Páscoa. E meu temor não era em vão.

- Cott? O que foi? – Louise puxou a carta da minha mão já gelada
- Minha mãe piorou – minha voz foi morrendo enquanto falava – Papai quer que eu volte para casa antes que... – mas não consegui terminar de falar
- Podemos fazer essa viagem outra hora – ela disse já se levantando e apertando minha mão – Vamos até a estação ver se tem algum trem saindo para a Suécia ainda essa noite.

ººº


Quando cheguei com Louise na manhã seguinte, a casa parecia deserta. Nem mesmo os empregados que estavam sempre passando de um lado para o outro deram sinal de vida. Deixei Freya no jardim e fomos até a cozinha preparar um lanche para comer. Aquele vazio na casa começava a me preocupar, mas não demorou muito até que Megan aparatasse no meio da sala. Corri ao encontro dela e antes mesmo de falar qualquer coisa, me abraçou apertado.

- Por que demorou tanto? – ela bateu no meu braço, mas sem força nenhuma, algo que nunca aconteceu antes.
- Vim assim que recebi a carta, saímos ontem à noite de Roma. Quando você mandou a coruja?
- Semana passada, Scott!

A resposta de Megan foi um baque. Minha mãe havia piorado há uma semana. Com o susto da mensagem, não me ocorreu que Freya estivesse viajando à minha procura há dias e que talvez quando me encontrasse, fosse tarde demais.

- Cadê a mamãe? Por que não tem ninguém em casa?
- Ela foi pro hospital há três dias atrás. Não para de perguntar por você.
- Qual hospital? Vou até lá agora! – e já fui calçando o sapato outra vez – Lou, se quiser ir pra casa, pode usar a nossa lareira.
- Não, eu vou ficar com vocês hoje – ela respondeu calçando o tênis também – Meus avôs estão bem, podem esperar mais um dia – e sorri agradecido
- Vamos então – Megan entrou na lareira e pegou um punhado de pó de flu – Hospital Geral de Gothenburg!

Megan desapareceu nas chamas e a seguimos. Cai na lareira da recepção do hospital engasgado por ter inalado um pouco de fumaça e Louise apareceu logo depois, também tossindo. Acompanhamos minha irmã até a ala de oncologia e empaquei no meio do corredor assim que vi a porta com o nome da minha mãe.

- Eu vou ficar aqui com a Louise – Megan falou abrindo a porta

Olhei para as duas e respirei fundo antes de entrar no quarto. Minha mãe estava dormindo, mas despertou no instante em que pisei lá dentro. Um sorriso sincero se desenhou em seu rosto e ela esticou a mão para que a segurasse. Caminhei depressa até a cama e apertei sua mão, puxando uma cadeira para sentar. Sorri de volta para ela, mas ele logo morreu. A imagem da minha mãe com uma máscara para ajudá-la a respirar me impedia de continuar sorrindo. Era a primeira vez que via aquela mulher sempre tão forte e cheia de vida, frágil.

- Que bom ver você, filho – ela tirou a máscara para falar e sua voz era fraca.
- Desculpa mãe, mas só ontem recebi a coruja de Megan.
- Não tem problema – ela apertou minha mão com toda força que tinha e a puxou para perto do seu rosto – O importante é que você veio e está aqui comigo.

Levantei da cadeira para me aproximar mais dela e a abracei. Minha mãe alisava meus cabelos e senti algumas lágrimas caírem, que ela mesma as secou quando a soltei. Passei o resto do dia naquele quarto, conversando com ela. E eu sabia que pela primeira vez minha mãe, que sempre fez tudo que os filhos pediam, não poderia atender ao meu pedido, pois naquela manhã, enquanto ela tentava me preparar para os próximos dias, eu pedi que não morresse.

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