Saturday, August 09, 2008

Diário de gravidez

Por Yulli Hakuna Menken

Seis meses atrás, três meses de gestação...

- Já podemos ver o sexo? – Sergei perguntou entusiasmado enquanto Yuri passava uma pasta gelada na minha barriga, para a ultra-sonografia.
- Talvez. Já deu tempo de crescer um pouco, mas não sei se o suficiente...
- Mas se for homem e puxar o pai, já vamos ver agora. Será bem evidente. – ele disse orgulhoso e virei os olhos. Yuri riu.

Quando ligou o monitor, não disse nada por vários minutos.

- Então? Vê três pernas aí? – Sergei perguntou brincalhão, interrompendo o silêncio tenso. Yuri nos encarou assustado, mas sorrindo.
- Não. Vejo nitidamente quatro pernas. Acho que devo dar os parabéns, mas vocês vão ser pais de gêmeos. E pelo que vejo aqui, um casal...

A primeira reação de Sergei foi dar uma gargalhada estrondosa. A minha foi arregalar os olhos e encarar Yuri, como se ele fosse começar a rir da piada a qualquer momento. Mas não aconteceu. E só para comprovar, ele nos mostrou no monitor as duas “sementinhas” desenvolvidas no meu útero. Eu seria mãe de gêmeos.

Cinco meses atrás, quatro meses de gestação...

- Tem certeza de que está se sentindo bem? Se quiser ir para casa, eu cuido de tudo aqui.
- Já disse que estou bem, Sammy. Foi só um enjôo. É normal na gravidez. De qualquer maneira, não posso ir para casa agora. Se esqueceu que os correspondentes da Birmânia vão vir negociar as taxas alfandegárias?
- Seus enjôos não estão demorando a passar? Li em uma revista que enjôos de gravidez geralmente duram até os dois meses... – ele insistiu soando preocupado e ri.
- Geralmente não é sempre. Depende de cada grávida. Além do mais, tenho direito de me enjoar por dois, não tenho? – completei sorrindo e ele forçou um, em resposta. - Você não deveria estar fazendo aqueles relatórios? Temos uma reunião importantíssima daqui a pouco.
- Mas...
- Sem ‘mas’, Sammy. Vá trabalhar. Eu estou muito bem. Sério. – insisti com um leve tom de impaciência quando ele pareceu não se convencer. Sacudiu os ombros e saiu da sala.

Mal tive tempo de pegar o telefone e a porta foi novamente aberta, com urgência. Sergei entrou afoito e respirando com dificuldade.

- Você está bem??? – perguntou desesperado com as duas mãos apertando o peito.
- Estou. O que você está fazendo aqui?
- Pedi para que Sammy me ligasse se alguma coisa acontecesse. Ele me disse que você se enjoou. Vim correndo.
- A Academia de Aurores não tem mais nada para fazer? Só tive um enjôo. Não é o primeiro...
- Esses seus enjôos estão demorando muito a passar. Temos que falar com o Yuri. Li em uma revista que eles geralmente acabam...
- ... com dois meses de gestação. Já sei. Você e o Sammy estão tendo muito tempo ocioso para lerem revistas.
- Por que não fazemos assim: como eu já tirei o restante da tarde de folga, podemos ir pra casa, pedir um yakisoba, assistirmos filmes... Eu, você e as crianças. – ele disse sorrindo e passando a mão na minha barriga.
- Você pode até estar de folga, mas eu não estou. Muito pelo contrário. Tenho muito trabalho para fazer.
- Se dê folga! Você é ou não a chefe dessa empresa?
- E agora ser chefe significa ser à toa? Vá pra casa, durma, leia revistas de gravidez e livros de auto-ajuda sobre “como educar gêmeos” e “como lidar com adolescentes” e de noite, quando chegar, pedimos a comida, assistimos os filmes, e tudo o mais. Eu, você, Keiko e Hiro.

Ele já ia começar a responder, mas parou. Sorri para ele.

- Keiko e Hiro. Você já escolheu os nomes?!
- Você disse que eu podia, não disse? Se não gostou de um deles...
- São lindos. O que significam?
- Keiko quer dizer “alegre” e Hiro “generoso”.
- Perfeitos. Keiko e Hiro Vanderheid Hakuna Kinoshita Menken. – ele listou sorridente e me puxou para um beijo. Sammy abriu a porta.
- Desculpem. Yulli, a “Birmânia” já está aqui.
- Já??? – perguntei assustada consultando as horas. – São muito pontuais! Péssimo sinal. – Recolhi depressa os papéis na mesa e Sergei lançou em mim seu pior olhar de cachorro abandonado. – Nem adianta, tenho que trabalhar. Nos vemos mais tarde. – dei outro beijo e acompanhei Sammy para fora.

Três meses atrás, seis meses de gestação...

- Você não está “uma bola”! – Miyako disse cansada enquanto eu me lamentava na frente do espelho. Minha barriga tinha adquirido um tamanho assustador e havia perdido todas as minhas roupas, até as que tinha comprado um mês antes e que já eram largas o suficiente para uma “grávida normal”.
- Estou sim! Não tenho mais roupas. Estou cheia de estrias e comendo como uma desesperada. Nunca fui assim... – comecei a chorar, do nada. Nas últimas semanas, começar a chorar por qualquer coisa era uma nova mania. Miyako se levantou indo me abraçar.
- Mamãe, pare com isso! Sua barriga está linda! E é natural você estar comendo muito. Tem dois bebês aí dentro, se esqueceu?
- Como posso me esquecer se eles ficam chutando toda hora? – perguntei limpando o rosto e Miyako riu.
- Você é uma boba. Continua linda, como sempre foi.
- Sergei não acha.
- Ta brincando? Se Sergei babar mais nessa barriga, a próxima vez que vier para casa, vou trazer um bote. – ela disse sarcástica e eu recomecei a chorar. – O que foi???
- Não fale isso: “a próxima vez que vier pra casa”. Dá a impressão que ainda vai demorar. Sinto tanto a sua falta...
- Eu também mãe, mas não posso sair de Beauxbatons todo final de semana. Máxime está sendo muito boazinha me liberando com tanta freqüência...

Não disse nada, mas a abracei com mais força, ainda chorando. Miyako deixou que ficássemos assim por vários minutos. Quando Sergei chegou em casa, subiu para o quarto radiante, com várias sacolas na mão.

- Olhem o que eu comprei para os bebês! – ele virou as sacolas na cama e estendeu um vestidinho azul claro com um brasão de flecha prateada. E logo em seguida, um short e camiseta minúsculos, da mesma cor e brasão. – Uniformes do Appebly Arrows!
- NÃO!!! – Miyako protestou. – Eles vão torcer para o Quiberon Quafflepunchers, não vão, bebezinhos? – ela perguntou para meu umbigo com uma voz mansinha. Sergei protestou com um resmungo. – Qual é, Sergei! Appebly Arrows está falido. O torcedor mais novo do time deve ser você...
- Querem parar, vocês dois? Eles vão torcer para os times que quiserem. Eles têm livre arbítrio, sabiam? E se não gostarem de quadribol? Vocês vão ignorá-los, por causa disso? – falei em atropelos e sem pensar enquanto lágrimas caíram com mais freqüência. Sergei se apressou a me consolar e vi Miyako guardar as roupas nas sacolas e sair do quarto.
- Eu vou amá-los de qualquer jeito, mesmo que eles não gostem de quadribol e não queiram ser aurores. Aliás, se eles não quiserem, vou amá-los mais ainda. – Sergei disse enquanto me abraçava e limpava meu rosto. Ri. – Fique calma, ok? Nós vamos nos sair bem...

Dois meses atrás, sete meses de gestação...

- Nós estamos nos saindo muito piores do que imaginava! – falei desesperada tentando lacrar a fralda no boneco da maneira como a instrutora ensinara minutos atrás. Sergei estava parado ao meu lado sem saber como ajudar. Os outros casais já haviam terminado e nos observavam reprovadores.
- Esses “trouxas” realmente são impressionantes. – Sergei cochichou no meu ouvido, espantado. – Temos mesmo que aprender a lacrar fraldas manualmente? Temos varinhas...
- Nós temos! Agora quer fazer o favor de me ajudar com isso? – perguntei nervosa e em voz alta e Sergei se apressou a me acudir. Com muito custo, conseguimos, embora tivesse ficado bem torta em comparação aos outros.
- Ótimo. Próxima etapa: banho. Tirem a fralda do boneco e levem eles até a banheira. Vou ensinar, passo a passo. – A enfermeira disse paciente e com um único puxão, arranquei a fralda recém-lacrada. – O pai segura o bebê de bruços e a mãe pega o sabonete, passa em suas próprias mãos e esfrega no corpo do bebê, tomando cuidado com as orelhas, olhos, nariz e boca.

Sergei segurou o boneco de barriga para baixo e eu ia ensaboando ele bem devagar. Quando fui ensaboar o rosto, no entanto, Sergei se descuidou com o embaraço de nossos braços e o boneco caiu na banheira de rosto pra baixo e a água o cobriu. Foi um minuto tenso. Os outros casais, assim como a enfermeira, pararam e ficaram olhando o boneco boiar na água. Eu e Sergei nos encarávamos em silêncio e sem reação. Sem agüentar a pressão do local, sai correndo sem dizer nada. Ouvi Sergei vir atrás de mim.

- Yulli, espera! Você não pode correr assim! – ele me alcançou segurando meu braço e me fazendo parar. Respirava depressa e estava chorando.
- Você...afogou...nosso...filho! – disse entre soluços enterrando o rosto nas mãos.
- É só um boneco. – ele respondeu se aproximando e pulei para trás.
- Era nosso filho representativo. Se conseguimos afogar um boneco na banheira, não sei como esses dois aqui vão sobreviver! – gritei exaltada no estacionamento e algumas pessoas observavam.
- Você está exagerando... Não pode ficar tão nervosa assim. – Sergei disse baixo, olhando ao redor e para mim em seguida. – É só eu não dar banho neles. Está bom assim? – ele perguntou incerto e recomecei a chorar.
- Você já está desistindo! Sabia que você desistiria. É muita pressão para você não é? Dois filhos de uma vez. Sem contar que eu estou redonda e azeda, exatamente como um limão.
- Não estou desistindo! Não dá pra te entender! – ele disse impaciente, mas logo se arrependeu e me puxou para um abraço forte sem que eu conseguisse impedir. – Você é o limão mais bonito que já vi. Vocês três são as coisas mais importantes pra mim. – me olhava sério enquanto falava e amoleci, o abraçando com mais força.
- Vai ficar tudo bem, não vai? – perguntei insegura.
- Vai sim. Vai dar tudo certo.

14 de julho de 1999: o dia do nascimento...

- Vai dar tudo certo. Respira fundo. – Sergei falava agitado e sem parar enquanto apertava a minha mão no centro cirúrgico. Como não tive dilatação suficiente, a cesárea iria começar a qualquer momento e a anestesia já estava começando a surtir efeito.

Foi tudo muito rápido. Para mim, questão de poucos segundos. Ouvimos um choro de bebê invadir a sala e Yuri levou até mim e Sergei uma menina, ainda com os olhos bem fechados, mas bem branquinha. Miyako também estava lá, e cochichou “bem-vinda Keiko” com um largo sorriso. Alguns minutos depois, Yuri trouxe Hiro, que chorou apenas alguns segundos e depois adormeceu nos braços dele. Sergei apertava minha mão com tanta força que estava dormente, mas não importava. Foi o momento mais feliz de nossas vidas.

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