Saturday, June 06, 2009

Rio de Janeiro, Maio de 2000.

- Paulo, eu não quero aquela bagunça que estava aqui na última vez que fechamos o restaurante pra um evento – falei sério e o gerente do meu restaurante concordava com a cabeça, anotando tudo que dizia em um bloco de papel – Dobre o numero de seguranças circulando aqui dentro, não é só pobre que faz escândalo, rico também adora um barraco.
- Sim senhor, vou cuidar de tudo – ele respondeu elétrico, conferindo o papel em que escrevia – Não vai acontecer outra vez.
- Assim espero.
- Sr. Foutley, tem visita para o senhor – Lucio entrou na cozinha e nos interrompeu – É sua amiga, a Sra. Lupin.
- Ok, mande-a entrar! – me espantei por Louise vir até o restaurante – Bom, já terminei de dizer o que queria, pode ir providenciar as coisas e depois conversamos.

Paulo assentiu com a cabeça e saiu da cozinha, ao mesmo tempo em que Louise entrava. Ela vinha carregando Clara no colo e uma bolsa de ginástica no ombro, parecendo agitada.

- Aconteceu alguma coisa, Lou? – perguntei preocupado, tirando a bolsa do ombro dela.
- Sim, um acidente de ônibus com mais de 15 feridos – respondeu depressa, passando Clara pro meu colo – Estão precisando da minha ajuda urgente no hospital e preciso que leve Clara a natação.
- Opa, calma! Não posso sair daqui agora, estou cheio de coisa pra fazer! – falei devolvendo o bebê, mas ela não pegou.
- Scott, por favor! Remo e Ben estão trabalhando e, diferente de você, eles têm chefe. Não tenho mais ninguém a quem recorrer! – ela implorou. Odiava quando fazia isso, pois eu sempre acabava cedendo.
- Ah, tudo bem, eu levo ela – falei derrotado e Lou respirou aliviada – Mas vai embora logo antes que mude de idéia!
- Obrigada, Cott – ela me abraçou e beijou meu rosto – Já disse o quanto eu te amo?
- Vai embora, mulher.
- Sua sunga está dentro da bolsa, você tem que entrar na água com ela! – Lou disse já na porta, saindo em seguida. Lúcio entrou logo em seguida e se espantou ao ver que tinha um bebê no meu colo.
- Sr. Foutley, o senhor vai sair? – perguntou fazendo cara feia.
- Sim, vou precisar cuidar de algumas coisas na rua – respondi pegando a bolsa dela e jogando no ombro – Paulo vai organizar o evento, eu volto mais tarde.
- Mas senhor, temos muita coisa para fazer! – ele insistiu.
- Eu pago um excelente salário a vocês para se virarem sozinhos nessas horas – respondi impaciente, saindo da cozinha – Se surgir alguma emergência, podem me ligar.

Não deixei que ele falasse outra vez e atravessei o restaurante com Clara no colo, saindo apressado. A academia onde ela tinha aula não era muito longe dali e fomos a pé mesmo. Caminhava na rua conversando com ela e algumas pessoas olhavam, achando graça. Clara já estava com quase 10 meses e além de já engatinhar pela casa toda deixando Louise maluca protegendo todas as tomadas, começava a querer falar. Já falava algo parecido com mamãe e papai e arriscava o nome de alguns bichos que Nicholas ensinava, além de já ter aprendido a falar Nick. Ela estava ficando cada dia mais parecida com Gabriel.

Cheguei com ela na academia e assim que pisamos na área da piscina, Clara já queria se atirar na água. No começo fiquei um pouco desconfortável com aquele monte de mãe me olhando, divididas entre cuidar para que seus filhos não se afogassem e prestar atenção no que eu fazia com a Clara. A professora ficava rindo enquanto dava as instruções do que devíamos fazer e a apesar de ter achado divertido, agradeci a Merlin quando a aula terminou.

- O que houve com a Louise? – a professora veio até mim depois da aula – Por que não veio hoje?
- Ela precisou trabalhar, foi chamada de ultima hora no hospital – respondi enquanto terminava de vestir Clara – Sobrou pra mim.
- Não se sinta ofendido, mas acho que não vai dar certo você vir às aulas com a Clarinha – a professora falou um pouco sem jeito e ri – Você acabou sendo uma distração pras outras mães e a aula não rendeu muito bem.
- É, eu percebi. Não se preocupe, só vim hoje porque foi uma emergência – fechei a bolsa e peguei Clara no colo, pronto para ir embora – Prefiro cuidar dela em casa.

A professora agradeceu a compreensão menos sem graça e já estava saindo quando meu telefone tocou. Pensei logo ser Lúcio querendo fazer alguma pergunta idiota, mas me espantei ao reconhecer o numero da escola de Nicholas. Era a diretora pedindo que fosse buscá-lo imediatamente, pois havia se envolvido em uma briga. Sai correndo de volta para o restaurante para buscar o carro e cheguei à escola em menos de 15 minutos. Nicholas estava sentado no banco do corredor e tinha os cabelo todo bagunçado, camisa amassada e um machucado no canto da boca. Quando me viu, abaixou a cabeça e passou a encarar os sapatos.

- Nick! – Clara se agitou no meu colo, olhando pra ele.
- Sim, é o Nick. E ele está em tremenda enrascada... – falei o encarando sério e a diretora abriu a porta do escritório para que entrasse.
- Por favor, sente-se – ela indicou uma cadeira e me sentei.
- O que aconteceu? – já fui logo perguntando – Nicholas nunca brigou com ninguém.
- É o que estamos tentando entender, mas ele se recusa a falar. E o outro menino também não disse nada, o pai já veio buscar. Nicholas é um excelente menino, carinhoso, participativo, inteligente, um pouco bagunceiro às vezes, mas nada que não possamos controlar. Nunca se envolveu em nenhuma confusão com os colegas de classe, é a primeira vez.
- Mas como foi que isso aconteceu?
- Eles estavam no recreio e o Bruno, o menino com quem ele brigou, estava jogando bola. Nicholas estava sentado no banco lanchando e quando os vi outra vez, estavam rolando no chão. Trouxe-os para cá e perguntei o que estava acontecendo, mas ninguém me respondeu. Tudo que ouvi foi que Bruno é um “cérebro de amendoim” e Nicholas é um “cabeça de melão”. Se puder descobrir o que houve, ficaria muito grata. Precisamos saber por que nossas crianças se desentendem para poder trabalhar isso com elas.
- Certo, entendi – falei levantando da cadeira – Não se preocupe, ele vai falar o motivo.
- Obrigada. E desculpe faze-lo vir até aqui correndo, mas sempre chamamos os pais quando as crianças brigam – ela agradeceu e abriu a porta para que saísse.
- Vamos embora, mocinho – falei para Nicholas quando passei no corredor e ele levantou – Vamos ter uma conversa quando chegarmos em casa.

Nicholas levantou do banco calado e permaneceu assim por todo o trajeto de volta para casa. Entrou e foi direto para o quarto, mas fui atrás e não deixei que fechasse a porta. Deixei Clara brincando no chão e sentei na cama ao seu lado.

- E ai? Não vai contar o que aconteceu? – perguntei, mas ele continuou calado – Se não contar o que aconteceu e eu descobrir sozinho, vai ficar de castigo – ele continuava mudo e agora sacudia os ombros – Nick, você nunca brigou na rua, por que bateu naquele menino?
- O Bruno é um bobalhão, fica implicando comigo – ele falou baixinho, encarando o chão.
- Ok, mas não é certo brigar por isso. Se ele implica com você, reclame com uma professora ao invés de trocar socos com ele. O que ele pode ter feito para tirar você do sério desse jeito?
- Ele chamou você e meu pai de bichas – ele falou me encarando e reagi surpreso, não esperava por essa – Eu sei que vocês são gays, mas ele não tem o direito de usar isso pra ofender ninguém.
- Ah Nick, você não precisa brigar na rua por causa disso – falei passando a mão em seu cabelo e ele relaxou a expressão tensa – Ele fez muito mal em usar isso pra tentar ofender você, mas não devia ter brigado com ele.
- Eu sei, mas eu não consegui me controlar – Nick olhou pra mim firme – Sempre escuto piadinhas e nunca dei bola, mas ele falou um monte de coisas ruins.
- O que foi que ele falou pra você?
- Eu não quero repetir, por favor – ele implorou, me olhando com os olhos cheios de lágrima.
- Tudo bem, não precisa repetir. Vai tomar banho e tirar essa roupa suja, depois vou limpar os machucados.
- Eu não ligo de vocês serem diferentes. Vocês são os melhores pais do mundo – Nick levantou e se jogou em cima de mim, me abraçando.

Abracei-o de volta e depois de um tempo ele me soltou e entrou no banheiro. Clara ainda brincava no chão com os carrinhos dele e fiquei sentado na cama olhando para a porta, sem perceber que esboçava um sorriso. Sempre tive dúvidas quanto ao que ele pensava sobre fazer parte da única família diferente da de seus amigos, mas agora sabia que Nick poderia agüentar qualquer coisa, desde que estivéssemos ao seu lado para apoiar. E nós sempre estaríamos.

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